Manifestantes da segurança pública que participarão de ato, no dia 21, em BH, podem chegar a 20 mil.
A adesão inédita de oficiais, delegados e chefes das forças de defesa social e segurança pública à manifestação pela recomposição salarial marcada para esta segunda-feira (21/2), na Praça da Estação, em Belo Horizonte, agrava a preocupação do governo mineiro, tendo paralelo apenas com a greve da Polícia Militar de Minas Gerais, de 1997, que terminou com cerco ao comando e com a morte do cabo Valério. É o que avaliam fontes ligadas ao movimento e a instituições e corporações do setor ouvidas pela reportagem do Estado de Minas.
Pelos cálculos do movimento, a previsão é de que entre 10 mil e 20 mil servidores participem da manifestação, vindos de diversas partes do estado. Somente do interior, são esperados 80 ônibus e mais de 40 vans, que chegam a partir deste sábado (19/2), sem contar carros particulares e funcionários das cidades da Grande BH.
"O governador prometeu a recomposição inflacionária parcelada. Todos tivemos paciência. Ficamos engolindo a seco as transmissões dele durante o expediente, dizendo que estava colocando as contas em dia, os buracos do estado, mas a água chegou no nariz. A tolerância acabou totalmente", disse um policial militar da ativa que conversou com a reportagem sob condição de anonimato.
Nas redes sociais, vários policiais militares, policiais civis, bombeiros militares e policiais penais têm criticado o governo e cobrado abertamente a recomposição da inflação nos últimos sete anos.
"Quando nós, oficiais, entramos em um movimento desses, a gente acaba quebrando a cadeia hierárquica. É ruim, porque nós mesmos perdemos aquele controle estrito da tropa. Mas a coisa chegou a um ponto tal que a nossa não adesão acabaria provocando esse mesmo efeito de perda de controle. É um caminho sem volta", afirma o oficial.
Um policial penal de um município da Zona da Mata que também conversou com a reportagem conta que foi feito um rateio dos funcionários públicos das corporações e instituições para alugar um ônibus e rumar para a capital, às 3h do dia 21.
"Policiais militares, civis e penais estão indo juntos no mesmo ônibus com recursos próprios, sem ajuda de sindicatos ou de políticos. No nosso caso, não vão oficiais nem diretores do (setor) penal, mas terão sargentos, cabos, soldados, investigadores, escrivãos e policiais. Vemos o Zema como um bom governador para o estado, mas não para os servidores", afirma o policial penal.
No final de 2020, o governador enviou à Assembleia o Projeto de Lei nº 1.451/20, que previa recomposição de 41%, dividida em três parcelas, sendo 13% em julho de 2020, 12% em setembro de 2021 e 12% em setembro de 2022.
Entre os apoiadores do movimento, o deputado estadual Sargento Rodrigues (PTB) afirma que a paciência da tropa com o governador acabou e que os resultados que trouxeram a Minas Gerais o título de estado mais seguro vão começar a cair com uma espécie de operação padrão.
"O governado tem de honrar com as duas parcelas que ainda faltam de recomposição salarial e não fazer política com as suas promessas. O que vai acontecer agora, além da manifestação, é um impacto no trabalho. Policial vai cumprir o dever, mas dentro do mínimo. Se a velocidade na rua é 40 km/h, a viatura vai nessa velocidade. Acabou o negócio de usar telefone próprio para receber dados, enviar fotos de ocorrência, acabou a agilidade para atender as ocorrências", disse Rodrigues.
O parlamentar, que participou do movimento grevista de 1997, alerta que nem naquela época houve adesão de oficiais e chefias da segurança pública, sem querer afirmar que há possibilidade de violência, contudo.
"Um movimento desses a gente sabe como começa, mas não pode garantir como vai terminar. Acabei de alertar o secretário de governo (Igor Eto) que o movimento será enorme e que conta com apoio dos oficiais da ativa, o que é inédito. Temos alertado o governo que ele vetou as duas parcelas (do reajuste), e cobramos que honre seu compromisso. Será um movimento muito desgastante para o governo", avalia o parlamentar.
A reportagem enviou questionamentos sobre esquemas de segurança para o dia e negociações com as categorias manifestantes, mas ainda não recebeu retorno. Em nota, o governo do estado informou que herdou essa defasagem salarial e que conta com a aprovação do regime de recuperação para poder conceder a recomposição inflacionária.
Nota do Governo
"O Governo de Minas mantém diálogo aberto com todas as categorias, levando em conta as necessidades dos servidores e o importante trabalho prestado por eles ao Estado. Mesmo diante a todas as dificuldades financeiras enfrentadas e aprofundadas pela crise sanitária da pandemia, em 2020, foi concedido reajuste de 13% para as forças de segurança.
Com a adesão ao RRF, projeto que aguarda análise da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), o Estado terá condições de aplicar a recomposição da inflação nos salários de todas as categorias do funcionalismo público, e dar continuidade ao pagamento das dívidas herdadas, como os repasses para os municípios e os depósitos judiciais.
Atualmente, as despesas obrigatórias do Estado ultrapassam 100% da arrecadação na maior parte dos anos e a perspectiva é que elas permaneçam próximas desse patamar. O Governo de Minas tem se dedicado para conseguir, mesmo nesse cenário, trazer melhorias para os servidores, pois reconhece o trabalho valoroso que eles prestam."
Greve da PMMG de 1997
A greve da Polícia Militar de Minas Gerais de 1997 é considerada o maior movimento grevista da história das polícias. Foi motivada por um aumento salarial de 11% concedido pelo então governador Eduardo Azeredo (PSDB) aos oficiais (tenente, capitão, major, tenente-coronel e coronel), em detrimento dos praças (soldado, cabo, sargento e subtenente).
A reação foi imediata. No dia seguinte, dois colchões foram queimados num dos dormitórios do Batalhão de Choque. Em 13 de junho, 700 policiais marcharam até a porta do Palácio da Liberdade, até então a sede do governo. De costas para o local, os militares cantaram o hino nacional e se ajoelharam para rezar o pai-nosso.
Na semana seguinte, foi oferecido um abono fixo de R$ 102 - até 20% para os salários mais baixos. A proposta foi rejeitada e no dia 24, mais uma vez os militares marcharam até o palácio, numa passeata que terminou com a participação de 4 mil homens da PM e 700 investigadores da Polícia Civil. No local, eles encontraram barreiras formadas por militares do interior. O clima esquentou e os manifestantes se preparavam para invadir o local quando o cabo Valério dos Santos Oliveira, de 36 anos, levou um tiro na cabeça.
O militar havia subido em uma mureta para pedir calma aos colegas, quando foi atingido. Ele morreu quatro dias depois. O disparo foi atribuído ao soldado Wedson Campos Gomes, de 30 anos, condenado a oito anos de reclusão. O militar nunca assumiu a autoria, dizendo que atirou para cima, não contra o colega. A greve foi encerrada dois dias depois, com a elevação do abono fixo para R$ 200.